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sexta-feira, 24 de julho de 2015

Pobre Tonto

Aprendeu uma data de cretinices
Que o pastor da memória mandou à fava
Mal o vento lhe secou as pulhices
Que um tal senhor Fernão Peres de trava
Tanto gramava

Cresceu no meio de crises graves e agudas
Agarrado, à Baez, à King, e, à Mitchell
Como se o amor fosse uma nora de mudas
E um papagaio chinês de papel
Feito com fel.

Grosso conto
Pobre tonto
A quem a vida exaspera
Com a troça de um ponto
E uma pulga que se coça
Num amor que adoça
A grande fossa da quimera

Viveu entre metáforas irônicas
E subúrbios de apostas secretas
Que lhe abriram as portas sinfônicas
Em demanda de gordas dietas
Feitas de setas

Morreu num cenário de tristes gamanços
Sonhando com flibusteiros dantescos
Provando as mixórdias dos tansos
E ouvindo no coro dos arabescos
Festas e frescos

Grosso conto
Pobre tonto...❞R Cresppo ☧


Bellaria, 22 de Julho de 2015. 14:08:21


por O Abre Aspas

Críticarte - A. Camus

Será que a realidade em que todos vivemos, não passa de um absurdo, absorvendo toda a simplicidade planetária que, em rotações sucessivas de 24 horas, nos esconde ou nos revela a pirataria humana, de sendo o que não se é, desperta a vontade de se ser o absurdo que se respira, não respirando nada, para se ser o nada que se é?
O absurdo de “O Estrangeiro” de Albert Camus é a obra crucial de um escritor que se ultrapassou, ultrapassando a vulgaridade, para se encarnar no pedestal da posteridade.
Albert Camus nasceu em Mondovi, na Argélia, em 7 de Novembro de 1913. Frequentou a Universidade de Argel, sendo obrigado, para custear os seus estudos, a exercer as profissões de vendedor de acessórios de automóveis, de empregado de escritório, de meteorologista e de amanuense da Prefeitura. Camus licenciou-se em Filosofia. Devido a doença, abandonou o professorado e dedicou-se ao jornalismo, primeiro em Argélia, no Alger Republicain, depois no Combat, integrado na Resistência Francesa durante a II Grande Guerra. Após a guerra, para além de se dedicar ao Desporto, foi um dos impulsionadores de um grupo de teatro: L´Equipe.
Em 1952, recebe o Prêmio Nobel da Literatura e, em 1960, morre num desastre de automóvel.
Camus é um tradutor de percursos humanos que se projetam entre um sol violento, produtor de luz e, paisagens, onde se movem geografias de sombras.
O livro de Camus a que eu, hoje, dou vida é a “Queda” de 1956, que é, praticamente, um monólogo, onde se cruzam a ironia, o sarcasmo e uma variedade de pecadilhos humanos.
“O que é um juiz penitente? Ah! Deixei-o intrigado com esta história. Não ponha nisso malícia alguma, acredite, e posso explicar com mais clareza.
Há alguns anos, eu era advogado em Paris e, palavra, um advogado bastante conhecido, tinha uma especialidade: as causas nobres. Bastava-me, no entanto, farejar num réu o mais leve cheiro a vítima para que as minhas mangas entrassem ação. E que ação! Uma tempestade! Além disso, eu era animado por dois sentimentos sinceros: a satisfação de estar do lado bom da barra e um desprezo instintivo pelos juízes, em geral.”
Atualmente, Camus, talvez, passe por ser um escritor de estante, o que será uma ingratidão da parte de quem é um estrangeiro em si mesmo.❞R Cresppo ☧


São Paulo, 2012.


por O Abre Aspas

Citrino Cimbalino

Vogo no lodo
Da hirsuta idade
Isco e engodo
Da plebeia cidade
Que a noite sorve
E o vento absorve.
Assim é o passo citrino
Deste corpo, vestido
Com o cimbalino
Do tempo sumido.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 15 de Julho de 2015. 11:06:08


por O Abre Aspas

Instinto de Me Ler

Seguindo o instinto de me ler,
Salto páginas de saber,
Arraso a escravatura da ignorância
E penetro, fundo, nessa distância
Que, em debates de riso,
Me proclama a falta de siso
O argumento de não o ter,
A ciência de nada ver
Entre a vida que se vive
E a lauda nadatória que sobrevive
À bancura do talvez
E à migração da palidez
Que se enraíza no hálito fugaz
Da palavra que nada faz
À solidão desta paz
Que me rói os conceitos do sebo
E os preceitos que concebo
À fertilidade da consciência
Para resumir esta impertinência
De nada sentir
Quando me sento a sorrir
Entre o coice que emudece
E a memória que se esquece.
Seguindo o instinto de me ler
Escrevo com a faca do prazer.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 11 de Julho de 2015. 18:21:36


por O Abre Aspas

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Só me falta chorar pra ser completo

Já soquei tijolo já virei concreto
Já comi do bom e já pastei sem teto
Já passei vazio já sonhei repleto
Só me falta chorar pra ser completo

Já banquei o bobo me julgando esperto
Já fechei a porta e inda restei aberto
Já comprei a banca – já fui objeto
Só me falta chorar pra ser completo

Já plantei a dor tentando ser correto
Já tive razão mesmo sem estar certo
Já me fiz sublime – já fui abjeto

Já clamei por voz em um pleno deserto
Já me atrapalhei com tudo que é afeto
Só me falta chorar pra ser completo❞ R Cresppo ☧

São Paulo, 2013.


por O Abre Aspas

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Gomos de uma Existência

I (Primeiro Gomo)

Alfarroba. Do anoitecer pálido nada sobra. O cavalo da noite varre as sombras da rua e ilumina a praceta onde se sente o hálito de uma atmosfera sórdida. Os meus olhos, cansados de tanta nudez viva, observam no asfalto de um candeeiro mortiço a figura recortada de um homem que se senta na iminência parda de um banco equestre. Espreito-lhe o rosto subornado pela velhice e descubro no seu olhar o brilho racional da comicidade e a da ironia bastarda. Entre os seus lábios finos dança a cigarra meia calada de um cigarro meio morto. Veste um casaco com gola de pele, uma camisa de flanela e umas calças coçadas de ganga. Olhamo-nos como se fôssemos a teoria de uma conspiração falhada. Levantei-me e, sem que a flacidez dos músculos me detivesse, aproximei-me cauteloso.


II (Segundo Gomo)

A proximidade raspou no meu olhar um rosto anguloso, chupado pelos cânticos dos pássaros desvairados. O cabelo, negro como as noites mais profundas, espalhava-se revolto e pendia, levemente, sobre a testa, alta e soberana. Os olhos vítreos, presos em algum vestígio memorial, fundiam-se com a longevidade do tempo. A suave cadência dos meus passos não lhe sobressaltaram a expressão vadia.
- Posso sentar-me?
- Para quê?
- Para esventrar o silêncio da noite.
- E se fosse parir?
- Talvez seja melhor. O sentido da vida é outro.
- A vida é uma cruz nas migalhas da nossa viagem temporal.
Como um sopro que se esvai nas dobras de uma onda felina a sua voz perdeu-se na escultura da sua densidade emocional. O seu olhar, em reflexos violáceos, escapou-se, por breves instantes, para onde as fronteiras são hipnoses imateriais. À distância não me refreou o ímpeto de rasgar o manto esquelético que parecia implantado entre o desejo de penetrar o escudo da vida que, ante mim, floria murcho e o meu instinto de cabra cega.


III (Terceiro Gomo)

O diálogo da vida pode ser monótono e, a brevidade do seu sumo, o prazer descascado de uma ironia metálica. Decifrar a riqueza de uma monotonia é encontrar nas profundezas de uma alma fictícia o volume da sua essência. Escapei às dúvidas do verbo ser e sentei-me a seu lado. Não se mostrou incomodado. Apagou o seu cigarro e projetou-se nas trevas da sua existência. Encolheu-se no banco, os seus olhos pareciam duas fontes de imagens suculentas. A violência do silêncio foi digerida pelas melodias de notas forradas de pranto imaginado.
- A minha infância foi leve e curta. Durou enquanto o riso foi original, enquanto não descobri que o tempo é uma região obscura onde os abraços das suas raízes são labirintos de medo ou de névoas que se aprendem a dissipar com a nudez do ritmo racional. A adolescência foi uma liana na floresta do desconhecido. Criei aparições, inventei imagens de um futuro que se revelou em tranças de mistérios e de promontórios de mar revoltado. Não me recordo da idade adulta.
Endireitou o corpo, imobilizou-se como uma estátua, e, nos seus lábios finos, onde havia frieza, desnovelou-se a cadeia sincopada do cinismo. Olhei para as águas do lago que refletiam a luz prateada de uma lua cheia que esfaqueara, sem dor, a multiplicidade caótica da noite sórdida. Um mocho piou, um lobo uivou.


IV (Quarto Gomo)

A noite é um fascínio, a vida de uma interrogação é um algarismo sem dicionário. Descobrem-se os seus sinônimos na ravina dos seus conceitos. Os pensamentos que me sangravam o poiso luarento de uma sequência imaginária de cenas insaciáveis foram, rispidamente, decepados pela frescura mórbida de umas gargalhadas que incendiaram a noite com os prazeres de uma festividade inédita. A claquete da sua voz suspendeu-as.
- Sou filho do silêncio e da razão, sou o futuro de todas as memórias que vestem este corpo de melancolias inóspitas.
- Que memórias, que tempos as vestem?
- Não sei, desconheço a trivialidade do seu consumo em leitos de perfume. Cada passo que dou é um vestígio lunar que pontifica na natureza do meu refúgio mais solene.
Nada mais disse, refugiou-se entre a solidão de um peso e a atmosfera híbrida do seu convento verbal. Levantei-me. Vagabundei, um pouco, pela praceta. Vasculhei a noite e as cores do seu humanismo solitário. Observei o bailado das nuvens que revelavam no seu passeio discreto alterações atmosféricas que se casariam com o hálito noturno. Observei-o de vários ângulos. Parecia ter adormecido. No entanto, os seus olhos luziam, parecendo os faróis de um temporal na calma suicida de um novelo sufocante. Sentei-me a seu lado. Não se moveu, não deu pela minha presença. A súbita obscuridade que abraçara a noite transformou-o em uma espécie de estátua cujos contornos fustigavam a embalagem da sua vida.


V (Quinto Gomo - Último)

A noite é um prazer dócil de se viver, mesmo se nuvens grávidas de silêncio nos enviam as suas dores de parto ao parirem uma chuva miudinha, infantil, de tão fresca no ato de nos enfeitiçar o corpo de andarilhos. Esquadrinhei a praceta com o olhar desprendido de quem nada reconhece. Recolhi a filosofia de nada sentir sentido tudo o que se desprendia do seu corpo, agora hirto, olhos chamejantes fitos em um horizonte que as pelejas do seu pensamento descortinavam por entre as brumas da sua inocência instável. Relâmpagos faiscaram, cortaram-me a fixidez do olhar que se vestiu de espanto ao deparar com um corpo feminino, noturno na sua nudez, felino na riqueza escultural do seu caminhar e uns olhos que, de uma intensidade luminosa, pareciam duas estrelas fugidas do cosmos cintilante. Aproximou-se, com a mudez do seu ritmo corporal, daquele estranho que me cativara os sentidos e, com a desenvoltura de uma amante, acariciou-lhe os cabelos rebeldes, aninhou a sua cabeça entre os seus seios entumescidos, beijou-lhe os lábios cerrados e com um abraço forrado de carinho ergueu-o, levando-o para o interior de uma névoa, entretanto, surgida do nada. Um estranho perfume envolveu-me, como que me despindo da vida. A chuva bebeu-me o corpo, a névoa desfez-se e senti uma estranha solidão a embebedar o hálito noturno. Alfarroba. Onde fica, onde estou? Não sei, talvez, na imaginação invisível de um corpo secreto. A lua cheia, o lago de águas prateadas. Despi-me e, sem tristezas, penetrei, profundo, na melodia serena das suas águas.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 02 de Julho de 2015. 20:54:39


por O Abre Aspas

Intimidade!

Intimidade. Que sabor tão estranho na saliva diária da sonolência, que raiva tão íntima de não ser íntimo de nada. Despir a nudez e vestir a magreza do sonho violado com o alfabeto da timidez urbana é um sentido, sem sentido, dos sentidos que não se sentem. Presença de espírito, gritam os fantasmas da ópera, algemados à geada emocional de não haver emoções à flor da pele. São íntimos da intimidade, mas revelam a fragilidade de uma infância que permanece austera no corpo de uma idade vertiginosa, em concertos de vida. O maestro e o músico são uma e a mesma personagem ao relento de uma atmosfera híbrida. Nada consola a intimidade. O desconsolo é uma imobilidade na batuta da sua sequência filmada. Vesti-la com segredos de cor, é bani-la com as banalidades de um diálogo inócuo. Intimidade, que fraqueza tão anônima no busto de uma centelha fugaz! Sagrado é o fogo que preside ao seu prazer de tudo ser, nada sendo. Intimidade! Que estranho eco, esse, o que ressoa na profundidade perpendicular de um átomo decadente. Despenteia emoções, vagueia, incólume, no universo do seu desconhecimento, é, ridiculamente finito, na inocência noturna da sua verticalidade autônoma. Não a habito se, nela, me reconheço. Sou um estrangeiro na face da sua mudez, sou um seu passageiro no bafo tricotado pelos dedos sonoros do silêncio. Intimidade! Vaga, no pudor, astuta, no ritmo ágil da sua cadência imutável. Intimidade! Ardente, na verdade pétrea do seu consumo, eterna, na pureza do seu instinto. Intimidade! É este corpo inteiro que, em nome da sua verdade, renasce, a cada passo dado, para além de todas as suas partículas sensíveis. Intimidade!❞R Cresppo ☧


Bellaria, 25 de Junho de 2015. 14:20:37


por O Abre Aspas

Tempo de Veludo

Eis o tempo de veludo
Nas capas do entrudo,
A simetria acústica
De uma prece rústica,
A conversa robusta
Que, noturna, assusta
Quem cimenta, agreste,
A revolta que veste
A floresta que nos vibra
Com a raiva da fibra
Com o rasgão da saliva
E o sabre que nos cativa
Em celas de penúria,
Em suadelas de fúria
Para que o sarro da vida
Evapore a crua ferida
E a todos nos enfeite
Com o ciúme do deleite.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 25 de Junho de 2015. 11:42:09


por O Abre Aspas

terça-feira, 26 de maio de 2015

Por onde, Onde, Que importância isso tem?

Por onde passo,
por onde passei,
por onde passarei,
que importância isso tem
se não passo de um nado morto da palavra?
Respiro por respirar,
durmo por dormir,
vivo por viver,
que importância isso tem
se as páginas que escrevo
são sílabas da noite que não amanhece,
são fibras de vento que não se ouvem?
Estes passos que ritmos não têm,
são sombras que se alugam às manhãs noturnas,
bocas seminais
que, no universo da vida,
percorrem as vielas secundárias
das aduelas urbanas,
erguendo os fusos horários
de um tempo inóspito.
Por onde vou,
por onde fui,
por onde irei?
Que matriz de sangue é esta
que se esvai por entre o medo de não o ter,
apagando o riso à garganta seca
e acendendo à luz elétrica do cacimbo
os faróis da claridade
que espantam o negrume do silêncio
e vestem ao corpo das monções
a brisa calculada de um encanto pueril.
Onde estou,
onde estive,
onde estarei,
que importância isso tem
se sou esta morte de fera viva.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 26 de Maio de 2015. 17:12:02


por O Abre Aspas

Por quem Sois

Por quem sois, clorofórmio de amor
que desta vida nada leva a boca,
nem a cegueira que a oscula, oca,
nem a cerveja que a fisga co´ardor.

Por quem sois, trepadeira incolor
que toda entrançais por coisa pouca
no vespeiro que a traça esgana louca
ao amante do fausto e da dor.

Por quem sois, que tendes o dom da troça
que atiçais a quem por vós se roça
sob a razão do céu e do decote.

Por quem sois, que sendo farsa e chacota,
vil, derramais, estulta e devota,
o frenesim grotesco do fagote.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 26 de Maio de 2015. 16:39:08


por O Abre Aspas

Etérea, a doçura prevalece

Esta doçura que me invade,
esses lábios de futuro
que passado não serão,
registam nos meus cabelos de tempo
esta vaga sensação de edílios
que se pressentem agnósticos
na ponte das margens inesperadas.
Viagem de emulsões,
forja de pulsações,
onde o ferreiro digital
forja a pressão táctil
que o corpo fecunda
para além de tudo o que é imortal.
Etérea, a doçura prevalece.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 26 de Maio de 2015. 16:07:34


por O Abre Aspas

quinta-feira, 21 de maio de 2015

As ideias que o Vento Espalha

As ideias que o vento espalha
são a sucata do perfume
que se sente na boca do ciúme
e no coração que falha
mal o amor encalha
entre o silêncio da dor
e o fogo do pavor
que arde na razão
onde tudo se escreve
com a mão que prescreve
o rito da ilusão
e a fronteira do não
que se ouve na boca do vento
e no grito do pensamento.
Fugaz como a luz da vela
mordaz como o pincel
que derrama sobre a tela
a claridade cruel.
Ideias que o tempo descobre
e que o breu da noite encobre.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 21 de Maio de 2015. 11:33:52


por O Abre Aspas

A Dolorida Cor de Um Ponto Final

Lindos são os faróis dos teus olhos
prata cintilante no rubro da noite.
De chocolate são teus lábios de morango
que sedentam a minha língua rugosa e áspera
com sonhos de viços leitosos.
Luarento é o teu corpo de ébano
fresco na nudez
suculento nos sumos da vida.
Bêbado de tanto te beber
vagueio exausto
por cada canyon do teu prazer invejável.
Sedosos são teus seios de sedução morna
que beijo com as carícias de asas fugidias
e lacrimoso é o meu corpo
em cada esquina do tempo
que dobro como quem vira a página
de um livro aberto e inacabado
esperando que cada ponto do teu deambular
pelos passos do meu olfato
não seja a cor dorida de um ponto final.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 21 de Maio de 2015. 10:12:44


por O Abre Aspas

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Pinceladas de uma Intimidade Liberta - I

O Sol anda tímido. A chuva bebe-nos o prazer do sangue amante. A Primavera que nos encanta é o fervor do desencanto. O corpo dissolve-se no pranto de um sorriso molhado. Pergunto às palavras que não escrevo por onde andam as metáforas desta opacidade que deslumbra a realidade que sou incapaz de vestir. Sou um sinônimo de sobrevivência na sístole diária da fragilidade humana. Recuso a frigidez molecular, afinando o diapasão de um concerto sem ouvidos, sem lábios que lhe definam os pensamentos. Neste dia, sem diagnóstico, o paladar do gosto que me prova, é um caudal de labirintos onde perco o ritmo da lucidez. No entanto sou lúcido para me descobrir na vigilância do inconformismo tranquilo. Durmo aos solavancos, sonho sonhos de me sonhar vivo e transparente nas asas de uma semente matinal. Sou corpo são em mente sã.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 14 de Maio de 2015. 14:46:24


por O Abre Aspas

Poema inútil

Cuidar do poema que adoece
É estrangular a prescrição do medo,
É arejar a docilidade do tempo
E libertar o fôlego saudável do seu tempero.
O poema estremece de prazer,
É amor que floresce
Por entre os lábios lamacentos do seu nevoeiro invisível,
Socorrendo a decrepitude natural
Do luto que o encobre,
Mal o vaticínio do desprezo
Vacina a pena criativa
Com o rubor feminino que o enlaça em sorrisos
Para que o seu espaço vital
Seja o enredo estimável da obra plena.
O poema é esta faca afiada
Que me rasga a sensibilidade,
É sangue que rompe o silêncio,
É lava que cega à noite,
É esta garganta de cicuta
Que amputa os delírios da raiva
Para que o parto da escrita
Seja o débil ódio da fome
A escravizar a agonia da sua pose fotogênica.
Fotograma a fotograma,
A objetiva oculta
Seduz o vigor da vivacidade,
Divaga por entre lampejos de fogo,
Revela os quadros mortíferos da sua tempestade final.
O poema vence a inutilidade de ser inútil.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 13 de Maio de 2015. 22:05:02


por O Abre Aspas

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Quem gosta de Pesadelos?

Vivemos no sonho de sonharmos o que nunca sonhamos. Desconhecemos a razão. Tentamos descobrir a incapacidade da nossa capacidade, mas somos leves demais. Não resistimos ao mais leve sopro de coragem porque não temos asas para não sermos as folhas incandescentes que se vão diluindo com o Outono das palavras mansas. Parecemos à fragilidade das gazelas assustadiças que povoam as imagens das consciências, aprisionadas aos amantes das terras áridas e secas. Temos sede, mas não sabemos que espécie de sede sentimos. Bebemos sonhos que sonhamos, mas não sonhamos com as celas que nos bebem as sedes que, incapazes, não deciframos, porque os livros que somos, são palavras de sedes que não se pontuam em dicionários de sonhos sem sinônimos. Inventamos sons para nos aliviarem a destreza de não sermos as gaivotas que aprenderam a fugir dos temporais, usando as asas que só os sonhos nos dão. Sonhamos que somos a resistência no paraíso da fraqueza e sorrimos à decadência, sonhando que plantamos a eloquência na aridez da vulgaridade e semeamos às raízes do tempo, as assinaturas dos nossos passos cadentes.
Tememos a fluência dos rios, mas não interpretamos os dialetos das nascentes.
Sabemos como acordamos dos sonhos, mas nunca aprendemos a conhecer, como e quando, eles nos ocultam as realidades das verdades que recusamos, porque, em vez de sonhos, são pesadelos. Pesadelos!? Quem gosta deles? Só o Freud.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 07 de Maio de 2015. 17:08:41


por O Abre Aspas

Não sei, mas sei que não sei.

Quem sou eu nesta terra de ninguém? Não sei. Ulysses a caminho de Ítaca, não sou. Não sei. Nem Kant me alivia a Razão. Alguém me espera nos cantos do amor? "Never More", diz-me o Corvo curvado sobre a minha falta de identidade humana. Que culpa se gera no ômega da indiferença? Não sei. Não sou réu da vida que se debruça sobre o vento e que apalpa as palavras do pensamento. Serei o desejo da noite mais obscura? Não sei. Sou demoníaco na lavra da mensagem, mas austero na impertinência da coragem. Que desespero é este que refulge na balança dos justos? Não sei. A espada da eternidade pende sobre a cabeça do fogo e os dedos de veneno saudável revolvem-se como serpentes de uma vingança que desconheço, mas Medusa não sou. Serei a esfinge de uma demagogia simplória abraçando a ditadura democrática que me asfixia? Não sei. Desconheço a farsa que me modela a razão, mas não me disfarço perante os demagogos a quem os hábitos do monge se perfilham como a clorofila das suas agonias mordazes. Quem sou nestas gerações de beat claustrofóbico? Não sei. Murmuro, assobio, e pergunto ao país, mas o verso nada me diz. Não sei, mas sei que não sei.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 07 de Maio de 2015.


por O Abre Aspas

Algures numa Taverna

Perdi a rota do meu destino, mas um caracol com os pauzinhos ao sol iluminou-me um trilho, cujo final era uma taverna, onde pedaços de memórias me saudaram com sorrisos e com todo um arco-íris de borboletas que me perfumaram com os hálitos frescos de canções a que o meu corpo não resistiu. E, eu que não sabia dançar, senti que os meus pés se moviam, sincronizados, com os ritmos das cores que embelezavam a taverna, onde cumprimentei as saudades do futuro com apertos de mão que o passado não soube apascentar. A taverna tinha tudo o que eu não tinha: a beleza dos sorrisos, a franqueza das ideias e os abraços que abraçavam cada distância, encobrindo estes corredores de mediocridade com os saldos dos meus pensamentos. Nesta taverna fui alimentado com todas as descobertas que o meu corpo escanzelado sempre suprimira, em devaneios de perturbações eloquentes. Aprendi a ter asas de borboletas que ignorava e lambi a todos os voos de pássaros que jamais conhecera, as refeições da minha imaginação perdida nos rudimentos de farsas humanas que eram representadas nos palcos dos teatros caseiros; encetei as viagens perdidas ao mundo secreto das magias que enriquecem a fraqueza dos corpos com os brincos sexuais das sensualidades, dos erotismos e dos orgasmos românticos.
A taverna não era um sonho, mas uma fonte inesgotável do saber, que a ignorância recusava, por ter medo de ser a fonte do seu medo.
Agarrado às conversas de todos os tempos, julguei que fugindo de mim mesmo, encontraria nas raízes que plantara, a encruzilhada de ideias a que nunca quis decifrar os códigos porque os teclados que dirigiam redes digitais, nasciam alucinadas com as realidades de uma qualquer negação.
Nesta taverna nada se nega, não se questionam as perguntas e há sempre o fruto das respostas que, conforme os sabores, racionalizam a aprendizagem de qual dos ventos é o jazz dos nossos desejos mais íntimos. Ao ouvir os cancioneiros tradicionais de uma ética popular, abandonei a taverna para ouvir os limites lunares da minha regeneração histórica, assobiando uma velha trova que atravessou a noite como um silvo de um comboio, que corria, tal como eu, ao encontro do seu destino.
Sem que a verdade me escapasse, dominei a solidão noturna e descarrilei, inebriado pela pureza das sombras noturnas. Adeus rota da ignorância, adeus casa sem destino, adeus a tudo o que resta ao que não vejo, porque descobri neste engano de rotas a solidez noturna da luz, nascida de um caracol com os pauzinhos ao sol.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 07 de Maio de 2015. 16:04:11


por O Abre Aspas

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Pingos de Chuva

Deslizam pingos de chuva didática
Pelo rosto velho das mortes diárias.
Secam ao sol nas vielas milenárias
E são filhos da mentira simpática.

Soam trombetas da traça profilática
Nos arneiros mentais das ruas agrárias
Onde só se plantam favelas viárias
Graças ao discurso da praga asmática.

Ouvem-se as gargalhadas das plateias
Nos vastos auditórios dos escolhos
Que encalham na febre dos repolhos.

Nota-se o aprumo das velhas teias
Que adoram as crises das suas ameias
E amam as orgias fanáticas dos piolhos.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 04 de Maio de 2015. 15:35:22


por O Abre Aspas

Acordar a dor da inocência

A distância não afeta
a fome de ser quem sou
um vulto que se infecta
com a raiva que negou
o vírus que nos detecta
o bobo que nos julgou
sem conhecer o profeta
que nada profetizou.

Acordar a dor da inocência
com a fuga de uma pureza
é vestir a cor da violência
co´a morte velha da beleza.

As farsas do quotidiano
são viveiros de cultura,
nacos do mito ufano
em versos de tortura
e réus de corpo insano
que viajam na tontura
de não verterem o dano
às facas do véu humano.

Ouvir as forcas do ocaso
na virgindade da nascente
é inventar o mortal prazo
à água de uma semente.

E nada será urgente
no berço da nossa idade
nem a coragem carente
nem a fluência da verdade
roendo o caruncho vidente
que se alarga à vontade
de cobrir o nosso poente
co´o caos da Humanidade.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 04 de Maio de 2015. 14:32:12


por O Abre Aspas

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Colméia de Palavras

Li o que li e li o que não li; agora me esqueço de ler o que não sei ler e o que não quero ler.
Por puro prazer. Criei uma colmeia de palavras e provei-lhe todo o gênero de sentidos; depois, abandonei-a num deserto de que não me lembro o nome. Um corvo todo vestido de negro pousou no parapeito da janela e com hábil maestria abriu-me a janela dos pensamentos; as palavras ao sentirem-se livres, fugiram de mim e eu nada fiz para recuperá-las. Hoje, ao cruzar a rua dos sentidos, não me iludo com o semáforo das suas paisagens. Sei que o vento reconhecê-las-á, mal o Outono as amadureça, ao anoitecê-las. Quando for o que não fui, a colmeia das palavras descobrirá, finalmente, a espécie de deserto que sou.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 30 de Abril de 2015. 14:06:43


por O Abre Aspas

terça-feira, 28 de abril de 2015

No alto da Torre da Verdade

Olhei para os ponteiros do relógio, no alto da Torre da Verdade. Não se moviam, nem para um lado, nem para o outro. Simplesmente inamovíveis.
O Sol, uma bola de fogo implacável, escouceava ao acaso. Por precaução, abri o guarda-chuva protetor. Tinha a noção exata do tempo que ia fazer. Tinha a certeza que o Sol ia chover, a qualquer momento. Os fios de luz intensa assemelhavam-se a picadas precisas que atingiam os neurônios com a distinção da morte da vida humana. Atravessei a rua com a lentidão de um camaleão, sem que houvesse simulação de cores. Habituara-me à sede insaciável, bebendo as minhas próprias lágrimas, que paridas de verdade, serviam-me de bússola na passadeira da vida.
Quando a chuva parava, secava o silêncio, e eu ouvia na brisa do vento, a eternidade dos anúncios às vidas breves. Olhei, de novo, para o relógio da Torre sabendo que era um painel, piscando os códigos indecifráveis de cada segundo que fustigava o ritmo do seu colapso. Não me sentia afetado, porque as florestas impenetráveis desta minha razão rugiam inconsoláveis, às células da inércia.
Por vezes, permitia que um naco de luz iluminasse recantos que eu próprio desconhecia habitarem na floresta em que me tornei. A floresta representava uma torneira que se fechava, fechando-me a fonte das rotas que podiam abrir as clareiras do conhecimento que me desconhecia.
O espanto apossava-se de mim, ao ver que, ciclicamente, o Sol não forçava a penetração desta floresta, o que produzia em mim uma espécie de frescura que eu abraçava como um amor escondido na noite do infinito.
Todos os dias subia, num estado de embriaguez vivificadora sufocante, ao alto da velha e decrépita urbe que não resistira ao colapso da vida. Deste modo ia gastando as memórias que me restavam e atravessava a minha floresta com todas as imagens que ainda povoavam os povoados que separavam os mistérios dos segredos. Acabavam por ser a fome da minha fome que estava reduzida ao silêncio que tudo consumia. Não havia sombras que me acolhessem em lugar algum. A floresta tornara-se num refúgio interior que eu reconhecia ser inútil, quando todo eu não fosse mais do que um poente irrepetível.
Cansado de ser um guarda-chuva de mim mesmo, deixei que o Sol queimasse cada pedaço da minha floresta e olhei, temerariamente, para aquela luz incandescente, sorrindo, e permiti que cada intimidade do meu corpo escorresse como lava e, sem que uma lágrima me bebesse, juntei-me às cinzas que eram o mar da realidade que se podia observar no relógio fossilizado, no alto da Torre da Verdade.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 26 de Abril de 2015.

por O Abre Aspas

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Resistir

Resistir
não é uma fome qualquer
é sorrir
a um corpo de mulher
e a um poema que se escreve
para se cantar quem quer
nevar a arte da neve,
esculpir
na dureza do aço frio
o corpo da ternura,
o braço longo do rio
que escapa à mordedura
do porvir
lambendo a raiva suja
com a dor da saliva
que tudo enferruja
e, fértil, cativa
quem sentir,
na palavra que luta
contra a sua morte
no silêncio que se escuta,
o vento, voraz e forte,
que a derruba
e, ágil, aduba
quem ouvir
o prazer da sua tuba.❞R Cresppo ☧

por O Abre Aspas

Sou silêncio de amor

Sacudo o capote da chuva
descubro o ventre da fragrância
na dança sonora do desejo
que liberta perfumes
e apaga ao veneno dos ciúmes
o fogo que morde a pele
que arde invisível
na substância nocturna do tempo.
Gotas molhadas de lágrimas
suam sementes de futuro
no terreno fértil da boca
que as bebem ansiosas
com a sensibilidade da sedução.
Seduzido
sou silêncio de amor.❞R Cresppo ☧

por O Abre Aspas

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Não há limites para os parasitas da pseudointelectualidade

Volto a afirmar-vos que não trabalho para ninguém, nem com os comentários que faço em algumas redes social, nem com os textos que crio neste e em meus outros blogues. Apesar disso, os parasitas da pseudointelectualidade continuam a apoderar-se do que não lhes pertence, alterando-lhes a autoria e, sem a menor cerimônia, alterando-lhes também o conteúdo a seu bel-prazer, abodegando o mesmo com suas imundícies paradoxais néscias e sandices diversas. Não há limites para as ratazanas putrefatas na profana contenda  e na soturna cruzada.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 24 de Abril de 2015. 14:59:26


por O Abre Aspas

No gosto do engano

No gosto do engano,
no desejo da fantasia,
no alforge da rapina
enrola-se o olhar
da púmblea mentira
que devora inteira
a ingenuidade patética
dos cúmplices diários
que vestidos de inocência
se enrolam,
prazenteiros,
ante a marginalidade
de uma seita larápia
que se esconde grotesca
na noite das facas longas.❞R Cresppo ☧

por O Abre Aspas

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Um paradigma brasileiro

É imperativo no Brasil hodierno a destruição de um paradigma:
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ᴜʙɪ ᴠɪʀᴛᴜᴛɪ ѕᴜᴜѕ ʜᴏɴᴏѕ ᴅᴇᴇѕᴛ, ɪᴍᴩʀᴏʙɪᴛᴀѕ ʟɪᴄᴇɴᴛɪᴜѕ ɢʀᴀѕѕᴀᴛᴜʀ.
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/Quando a virtude não merece recompensa, a improbidade avança com mais atrevimento./❞R Cresppo ☧

por O Abre Aspas