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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Lampejo Diário - XVII - AS INTEMPÉRIES SOLITÁRIAS

Gomo a gomo,
gota a gota,
o sumo deste corpo urbano
esfarela-se
como folhas de Outono.

A noite da cidade
é a cor do meu olhar,
sombras que me oferecem sorrisos,
sorrisos que são o pranto
da vida que se consome,
do luto que a pele veste,
da ausência que o amor tece
em dobrados de cintura fina.

Passo a passo,
a amplitude da sonolência
abraça a luta do silêncio,
emagrece a morfina do seu brilho
e oferece às carícias dos dedos
a bica do consumo rápido.

Sensível,
o sangue queima o desejo,
busca na fluência do seu estado
o porto da infância
onde as palavras brincam
com as células da fecundidade,
com os embalos da tempestade
que endoidecem o medo
e serenam a coragem
a que um tédio peculiar
se aconchega, fortuito,
por desconhecer que a vida
é um molde de consequências avaras.

Dedos erráticos
navegam, digitais,
por dentro das palavras mudas,
rasgando ruídos,
filtrando silêncios,
erguendo, na planície dos calo estéticos,
o edifício caloroso
das intempéries solitárias -
de uma tempestade solitária.

Nela, perco os sentidos
das grades que bocejam
e dos olhos que esmiúçam
a grandeza das suas minúcias,
o espectro agudo
da constelação infinita,
essa longevidade irreal
de nascer e morrer
na audácia da verbalização urbana.

Passo a passo,
gota a gota,
sou a doçura da água
e o sal do mar
onde quem sou
serei o que sou.❞R Cresppo ☧

Bellaria, 30 de Dezembro de 2022 - 00:22:18











sábado, 24 de dezembro de 2022

A quimera da passagem de passagem

Todo ano, quando se aprochegam estes tempos de festas, estes fatigados e adinâmicos últimos dias do calendário anual, sempre, desde que me conheço não me reconhecendo, uma colossal e íntima apatia me toma por completo. Não por não gostar das festas, comidas, bebidas e os encontros com amigos e familiares, o que devo declarar já em confissão, são justamente tais eventos os quais tornam as mesmas datas um pouco menos excruciantes. 

Creio ser algo ainda mais profundo do que a própria fadiga de mais um ano que se completa. A expectativa ilusória e repleta de fé acerca de um novo ano no qual as coisas serão melhores, mais prósperas e que tudo "dará certo", é, talvez, um dos gatilhos e grande chave psíquica para que tudo seja tal qual e congênere, de modo lancinante e sórdido, numa graciosa fantasia, cujas máscaras ao final da derradeira bebederia em fuga de esquecimento, e, sua respectiva ressaca em pílulas do dia seguinte , a degenerescência de tudo o quanto se almeja. 

Me evocam em ecos de memória que no peito do futuro pulsa o coração do passado. Caber em tudo o que é tudo, não cabendo em lugar nenhum, é o ponto de lucidez que com intrepidez devemos arrostar a incógnita das incógnitas dos dias porvir. E assim sendo, tudo quanto foi, e o que é, sendo o que for ou o que seja, também moldará tudo o quanto virá. 

Ainda assim, no reiterativo e de lugar comum, os votos que perpetuamente são declarados, e, aqui também vos deixarei por escrito em vias digitais, desejo-lhes um feliz Natal e próspero Ano Novo. Até a volta dos que voltarem.❞ R Cresppo ☧

Bellaria, 24 de Dezembro de 2022 - 15:11:28











segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Spiaggia Libera Luce sul mare

Estou deitado sobre a areia. De volta à cidade que por tempos vivi, visto uns calções curtos, azuis com listras brancas, e uma camiseta preta. Calço umas velhas sandálias, as quais nem me recordava possuir. A noite está quente apesar da estação. Escrevo, em um caderninho de capas pretas, os sinuosos caminhos da floresta agreste que desabrocham nestes cansados olhos azuis, nesta barba hirsuta e branca, neste peso de quase alma, neste corpo de reflexo de tempo. Estas linhas de tinta fresca são um corrimão de pensamentos soltos que se entrelaçam com a memória lívida dos passos, leves e curtos, que descrevem a fluidez sintética de uma vida singular rasgada pelas folhas soltas de um plural anêmico. Com estes dedos delgados e surrados pelo longo tempo de ofícios manuais, que tanto amaram, escrevo o braseiro em que se diluiu a arquitetura de um romance coalhado de sombras e de cinzas, na estética de um balouço amante. Estes traços que componho, na surdez desta praia, são os vincos de uma frigidez que me assolam esta carne, fogosa e carente, com a timidez de palavras rústicas e com a fragilidade emocional com a qual rebusco cada cântico desta sonolência à flor da pele. A elegância da noite revela-me a pobreza do meu tempo e assusta-me, com a clareza do seu hábito, esta presença solitária no recanto de uma praia que é a fluidez dos meus afetos. Levanto-me, recolho os meus pensamentos, e encaminho-me para o Molo di Ponente. Não espero muito tempo. Entro e sento-me num lugar, resguardado pelo prazer do seu isolamento. No Le spiagge del porto, apanho o autobus 45 - Panzini/Arno - até à Via Vittor Pisani. Atravesso a rotatória, entro na Via Silio Italico, e chego, a casa, conformada com os caprichos da solidão. Dispo-me, tomo uma ducha rápida e preparo uma refeição ligeira. Depois, sento-me no sofá e, sob os clarões sonoros de "Violator", do Depeche Mode, escrevo no meu caderninho com a suavidade de uma brisa tranquila as imagens deste passado que germinaram em futuro.❞ R Cresppo ☧

Bellaria, 19 de Dezembro de 2022 - 13:43:19


  








sábado, 17 de dezembro de 2022

Insípido soneto

Neste estado de revolta aguda
há sinais de sadismo sedentário
contra os velórios do corpo agrário
que nem a sede do tempo escuda.

E por muito que a refrega ossuda
cinja Esparta à fome gregária,
há os ciclos da mesa perdulária
que nem a ciência vulgar estuda.

Numa escola de profetas atentos
há profecias de amargos lamentos
que Atena, vaga em doces afetos,

Jaz, precária, em talentos de vida,
e, expulsa, da purga esquecida,
a sabedoria voraz dos insetos. ❞R Cresppo ☧

Piemonte, 17 de Dezembro de 2022 - 15:03:42