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sexta-feira, 24 de julho de 2015

Pobre Tonto

Aprendeu uma data de cretinices
Que o pastor da memória mandou à fava
Mal o vento lhe secou as pulhices
Que um tal senhor Fernão Peres de trava
Tanto gramava

Cresceu no meio de crises graves e agudas
Agarrado, à Baez, à King, e, à Mitchell
Como se o amor fosse uma nora de mudas
E um papagaio chinês de papel
Feito com fel.

Grosso conto
Pobre tonto
A quem a vida exaspera
Com a troça de um ponto
E uma pulga que se coça
Num amor que adoça
A grande fossa da quimera

Viveu entre metáforas irônicas
E subúrbios de apostas secretas
Que lhe abriram as portas sinfônicas
Em demanda de gordas dietas
Feitas de setas

Morreu num cenário de tristes gamanços
Sonhando com flibusteiros dantescos
Provando as mixórdias dos tansos
E ouvindo no coro dos arabescos
Festas e frescos

Grosso conto
Pobre tonto...❞R Cresppo ☧


Bellaria, 22 de Julho de 2015. 14:08:21


por O Abre Aspas

Críticarte - A. Camus

Será que a realidade em que todos vivemos, não passa de um absurdo, absorvendo toda a simplicidade planetária que, em rotações sucessivas de 24 horas, nos esconde ou nos revela a pirataria humana, de sendo o que não se é, desperta a vontade de se ser o absurdo que se respira, não respirando nada, para se ser o nada que se é?
O absurdo de “O Estrangeiro” de Albert Camus é a obra crucial de um escritor que se ultrapassou, ultrapassando a vulgaridade, para se encarnar no pedestal da posteridade.
Albert Camus nasceu em Mondovi, na Argélia, em 7 de Novembro de 1913. Frequentou a Universidade de Argel, sendo obrigado, para custear os seus estudos, a exercer as profissões de vendedor de acessórios de automóveis, de empregado de escritório, de meteorologista e de amanuense da Prefeitura. Camus licenciou-se em Filosofia. Devido a doença, abandonou o professorado e dedicou-se ao jornalismo, primeiro em Argélia, no Alger Republicain, depois no Combat, integrado na Resistência Francesa durante a II Grande Guerra. Após a guerra, para além de se dedicar ao Desporto, foi um dos impulsionadores de um grupo de teatro: L´Equipe.
Em 1952, recebe o Prêmio Nobel da Literatura e, em 1960, morre num desastre de automóvel.
Camus é um tradutor de percursos humanos que se projetam entre um sol violento, produtor de luz e, paisagens, onde se movem geografias de sombras.
O livro de Camus a que eu, hoje, dou vida é a “Queda” de 1956, que é, praticamente, um monólogo, onde se cruzam a ironia, o sarcasmo e uma variedade de pecadilhos humanos.
“O que é um juiz penitente? Ah! Deixei-o intrigado com esta história. Não ponha nisso malícia alguma, acredite, e posso explicar com mais clareza.
Há alguns anos, eu era advogado em Paris e, palavra, um advogado bastante conhecido, tinha uma especialidade: as causas nobres. Bastava-me, no entanto, farejar num réu o mais leve cheiro a vítima para que as minhas mangas entrassem ação. E que ação! Uma tempestade! Além disso, eu era animado por dois sentimentos sinceros: a satisfação de estar do lado bom da barra e um desprezo instintivo pelos juízes, em geral.”
Atualmente, Camus, talvez, passe por ser um escritor de estante, o que será uma ingratidão da parte de quem é um estrangeiro em si mesmo.❞R Cresppo ☧


São Paulo, 2012.


por O Abre Aspas

Citrino Cimbalino

Vogo no lodo
Da hirsuta idade
Isco e engodo
Da plebeia cidade
Que a noite sorve
E o vento absorve.
Assim é o passo citrino
Deste corpo, vestido
Com o cimbalino
Do tempo sumido.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 15 de Julho de 2015. 11:06:08


por O Abre Aspas

Instinto de Me Ler

Seguindo o instinto de me ler,
Salto páginas de saber,
Arraso a escravatura da ignorância
E penetro, fundo, nessa distância
Que, em debates de riso,
Me proclama a falta de siso
O argumento de não o ter,
A ciência de nada ver
Entre a vida que se vive
E a lauda nadatória que sobrevive
À bancura do talvez
E à migração da palidez
Que se enraíza no hálito fugaz
Da palavra que nada faz
À solidão desta paz
Que me rói os conceitos do sebo
E os preceitos que concebo
À fertilidade da consciência
Para resumir esta impertinência
De nada sentir
Quando me sento a sorrir
Entre o coice que emudece
E a memória que se esquece.
Seguindo o instinto de me ler
Escrevo com a faca do prazer.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 11 de Julho de 2015. 18:21:36


por O Abre Aspas

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Só me falta chorar pra ser completo

Já soquei tijolo já virei concreto
Já comi do bom e já pastei sem teto
Já passei vazio já sonhei repleto
Só me falta chorar pra ser completo

Já banquei o bobo me julgando esperto
Já fechei a porta e inda restei aberto
Já comprei a banca – já fui objeto
Só me falta chorar pra ser completo

Já plantei a dor tentando ser correto
Já tive razão mesmo sem estar certo
Já me fiz sublime – já fui abjeto

Já clamei por voz em um pleno deserto
Já me atrapalhei com tudo que é afeto
Só me falta chorar pra ser completo❞ R Cresppo ☧

São Paulo, 2013.


por O Abre Aspas

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Gomos de uma Existência

I (Primeiro Gomo)

Alfarroba. Do anoitecer pálido nada sobra. O cavalo da noite varre as sombras da rua e ilumina a praceta onde se sente o hálito de uma atmosfera sórdida. Os meus olhos, cansados de tanta nudez viva, observam no asfalto de um candeeiro mortiço a figura recortada de um homem que se senta na iminência parda de um banco equestre. Espreito-lhe o rosto subornado pela velhice e descubro no seu olhar o brilho racional da comicidade e a da ironia bastarda. Entre os seus lábios finos dança a cigarra meia calada de um cigarro meio morto. Veste um casaco com gola de pele, uma camisa de flanela e umas calças coçadas de ganga. Olhamo-nos como se fôssemos a teoria de uma conspiração falhada. Levantei-me e, sem que a flacidez dos músculos me detivesse, aproximei-me cauteloso.


II (Segundo Gomo)

A proximidade raspou no meu olhar um rosto anguloso, chupado pelos cânticos dos pássaros desvairados. O cabelo, negro como as noites mais profundas, espalhava-se revolto e pendia, levemente, sobre a testa, alta e soberana. Os olhos vítreos, presos em algum vestígio memorial, fundiam-se com a longevidade do tempo. A suave cadência dos meus passos não lhe sobressaltaram a expressão vadia.
- Posso sentar-me?
- Para quê?
- Para esventrar o silêncio da noite.
- E se fosse parir?
- Talvez seja melhor. O sentido da vida é outro.
- A vida é uma cruz nas migalhas da nossa viagem temporal.
Como um sopro que se esvai nas dobras de uma onda felina a sua voz perdeu-se na escultura da sua densidade emocional. O seu olhar, em reflexos violáceos, escapou-se, por breves instantes, para onde as fronteiras são hipnoses imateriais. À distância não me refreou o ímpeto de rasgar o manto esquelético que parecia implantado entre o desejo de penetrar o escudo da vida que, ante mim, floria murcho e o meu instinto de cabra cega.


III (Terceiro Gomo)

O diálogo da vida pode ser monótono e, a brevidade do seu sumo, o prazer descascado de uma ironia metálica. Decifrar a riqueza de uma monotonia é encontrar nas profundezas de uma alma fictícia o volume da sua essência. Escapei às dúvidas do verbo ser e sentei-me a seu lado. Não se mostrou incomodado. Apagou o seu cigarro e projetou-se nas trevas da sua existência. Encolheu-se no banco, os seus olhos pareciam duas fontes de imagens suculentas. A violência do silêncio foi digerida pelas melodias de notas forradas de pranto imaginado.
- A minha infância foi leve e curta. Durou enquanto o riso foi original, enquanto não descobri que o tempo é uma região obscura onde os abraços das suas raízes são labirintos de medo ou de névoas que se aprendem a dissipar com a nudez do ritmo racional. A adolescência foi uma liana na floresta do desconhecido. Criei aparições, inventei imagens de um futuro que se revelou em tranças de mistérios e de promontórios de mar revoltado. Não me recordo da idade adulta.
Endireitou o corpo, imobilizou-se como uma estátua, e, nos seus lábios finos, onde havia frieza, desnovelou-se a cadeia sincopada do cinismo. Olhei para as águas do lago que refletiam a luz prateada de uma lua cheia que esfaqueara, sem dor, a multiplicidade caótica da noite sórdida. Um mocho piou, um lobo uivou.


IV (Quarto Gomo)

A noite é um fascínio, a vida de uma interrogação é um algarismo sem dicionário. Descobrem-se os seus sinônimos na ravina dos seus conceitos. Os pensamentos que me sangravam o poiso luarento de uma sequência imaginária de cenas insaciáveis foram, rispidamente, decepados pela frescura mórbida de umas gargalhadas que incendiaram a noite com os prazeres de uma festividade inédita. A claquete da sua voz suspendeu-as.
- Sou filho do silêncio e da razão, sou o futuro de todas as memórias que vestem este corpo de melancolias inóspitas.
- Que memórias, que tempos as vestem?
- Não sei, desconheço a trivialidade do seu consumo em leitos de perfume. Cada passo que dou é um vestígio lunar que pontifica na natureza do meu refúgio mais solene.
Nada mais disse, refugiou-se entre a solidão de um peso e a atmosfera híbrida do seu convento verbal. Levantei-me. Vagabundei, um pouco, pela praceta. Vasculhei a noite e as cores do seu humanismo solitário. Observei o bailado das nuvens que revelavam no seu passeio discreto alterações atmosféricas que se casariam com o hálito noturno. Observei-o de vários ângulos. Parecia ter adormecido. No entanto, os seus olhos luziam, parecendo os faróis de um temporal na calma suicida de um novelo sufocante. Sentei-me a seu lado. Não se moveu, não deu pela minha presença. A súbita obscuridade que abraçara a noite transformou-o em uma espécie de estátua cujos contornos fustigavam a embalagem da sua vida.


V (Quinto Gomo - Último)

A noite é um prazer dócil de se viver, mesmo se nuvens grávidas de silêncio nos enviam as suas dores de parto ao parirem uma chuva miudinha, infantil, de tão fresca no ato de nos enfeitiçar o corpo de andarilhos. Esquadrinhei a praceta com o olhar desprendido de quem nada reconhece. Recolhi a filosofia de nada sentir sentido tudo o que se desprendia do seu corpo, agora hirto, olhos chamejantes fitos em um horizonte que as pelejas do seu pensamento descortinavam por entre as brumas da sua inocência instável. Relâmpagos faiscaram, cortaram-me a fixidez do olhar que se vestiu de espanto ao deparar com um corpo feminino, noturno na sua nudez, felino na riqueza escultural do seu caminhar e uns olhos que, de uma intensidade luminosa, pareciam duas estrelas fugidas do cosmos cintilante. Aproximou-se, com a mudez do seu ritmo corporal, daquele estranho que me cativara os sentidos e, com a desenvoltura de uma amante, acariciou-lhe os cabelos rebeldes, aninhou a sua cabeça entre os seus seios entumescidos, beijou-lhe os lábios cerrados e com um abraço forrado de carinho ergueu-o, levando-o para o interior de uma névoa, entretanto, surgida do nada. Um estranho perfume envolveu-me, como que me despindo da vida. A chuva bebeu-me o corpo, a névoa desfez-se e senti uma estranha solidão a embebedar o hálito noturno. Alfarroba. Onde fica, onde estou? Não sei, talvez, na imaginação invisível de um corpo secreto. A lua cheia, o lago de águas prateadas. Despi-me e, sem tristezas, penetrei, profundo, na melodia serena das suas águas.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 02 de Julho de 2015. 20:54:39


por O Abre Aspas

Intimidade!

Intimidade. Que sabor tão estranho na saliva diária da sonolência, que raiva tão íntima de não ser íntimo de nada. Despir a nudez e vestir a magreza do sonho violado com o alfabeto da timidez urbana é um sentido, sem sentido, dos sentidos que não se sentem. Presença de espírito, gritam os fantasmas da ópera, algemados à geada emocional de não haver emoções à flor da pele. São íntimos da intimidade, mas revelam a fragilidade de uma infância que permanece austera no corpo de uma idade vertiginosa, em concertos de vida. O maestro e o músico são uma e a mesma personagem ao relento de uma atmosfera híbrida. Nada consola a intimidade. O desconsolo é uma imobilidade na batuta da sua sequência filmada. Vesti-la com segredos de cor, é bani-la com as banalidades de um diálogo inócuo. Intimidade, que fraqueza tão anônima no busto de uma centelha fugaz! Sagrado é o fogo que preside ao seu prazer de tudo ser, nada sendo. Intimidade! Que estranho eco, esse, o que ressoa na profundidade perpendicular de um átomo decadente. Despenteia emoções, vagueia, incólume, no universo do seu desconhecimento, é, ridiculamente finito, na inocência noturna da sua verticalidade autônoma. Não a habito se, nela, me reconheço. Sou um estrangeiro na face da sua mudez, sou um seu passageiro no bafo tricotado pelos dedos sonoros do silêncio. Intimidade! Vaga, no pudor, astuta, no ritmo ágil da sua cadência imutável. Intimidade! Ardente, na verdade pétrea do seu consumo, eterna, na pureza do seu instinto. Intimidade! É este corpo inteiro que, em nome da sua verdade, renasce, a cada passo dado, para além de todas as suas partículas sensíveis. Intimidade!❞R Cresppo ☧


Bellaria, 25 de Junho de 2015. 14:20:37


por O Abre Aspas

Tempo de Veludo

Eis o tempo de veludo
Nas capas do entrudo,
A simetria acústica
De uma prece rústica,
A conversa robusta
Que, noturna, assusta
Quem cimenta, agreste,
A revolta que veste
A floresta que nos vibra
Com a raiva da fibra
Com o rasgão da saliva
E o sabre que nos cativa
Em celas de penúria,
Em suadelas de fúria
Para que o sarro da vida
Evapore a crua ferida
E a todos nos enfeite
Com o ciúme do deleite.❞R Cresppo ☧


Bellaria, 25 de Junho de 2015. 11:42:09


por O Abre Aspas