Um papel amarrotado escapulia-se pelo passeio da velha
cidade, empurrado pela voz do vento. Um jovem, que seguia em sentido contrário,
com um skate debaixo do braço, olhou com indiferença para o papel fugitivo,
mas, uma súbita curiosidade, impeliu-o a curvar-se e a apanhar o papel
amarrotado. Abriu o papel, mirou-o, desinteressado, vasculhando o verso e o seu
reverso e limitou-se a constatar que era, apenas, um simples papel em branco.
Preparava-se para o deitar fora, quando, um qualquer segredo, escondido, bem lá
do fundo do seu cérebro, intimou-o a conservá-lo, transformando-o numa vulgar
bola de papel. Enfiou a mão com a bola de papel no bolso e enquanto deslizava,
pelo passeio, no seu skate, ia assobiando uma melodia que nunca ouvira em lado
nenhum. Quando chegou a casa, guardou o skate, desdobrou, cuidadosamente, o
papel e foi pintando cada um dos seus vincos com as cores das latas de spray
que, usualmente, utilizava para ilustrar cada uma das suas criações que se
podiam ver em alguns muros da velha cidade, embora reconhecesse que nunca
compreendera o seu significado. Porém, sabia que todas elas provinham dos
segredos que emanavam dos recantos do seu cérebro universal. Quando terminou a
obra que produzira naquele papel amarrotado, sorriu, maravilhado com as imagens
que havia criado e, reconhecendo nelas, a melodia que desconhecia, amarrotou de
novo o papel e abandonou a sua casa com a ligeireza de uma brisa marítima;
regressou ao passeio onde tinha encontrado o papel e lançou-o ao vento. Para
seu grande espanto, foi observando a transformação que se ia dando no passeio
por onde o papel deslizava ao som da melodia que o vento, igualmente aprendera,
sem perceber que as cores que se espalhavam por todo o lado, alteravam a
fisionomia da velha cidade. Não tardou que todos os seus habitantes, fascinados
pela sedução das cores vibrantes que lhes enchiam os corpos com a juventude do
jovem, entoassem com um coro de vozes suaves a melodia que todos aprenderam,
sem que ninguém se apercebesse que tudo nascera de um simples papel amarrotado
que rolava pelo passeio de uma velha cidade, impulsionado pela voz do vento. ❞R Cresppo ☧
Bellaria, 19 de Junho de 2017. 14:49:02

Nenhum comentário:
Postar um comentário